PREVARICAÇÃO
À luz dos princípios implícitos e explícitos, que regem a Administração Pública e toda a Constituição Federal, devem ser destacados, para o presente estudo, o princípio da legalidade e da impessoalidade. O princípio da legalidade é um princípio administrativo expresso na Carta Magna, segundo o qual a lei é o elemento que norteia a conduta do agente público e, por via de consequência, do funcionário público. Maria Sylvia Zanella di Pietro (2014) ensina que, ao contrario do que acontece nas relações particulares, a Administração publica deve, sempre, agir pautada pela lei. É o que se chama de legalidade estrita. Cabe salientar ainda que o agente público possui um poder, devendo ser vislumbrado como um poder-dever, visto que, se em determinado caso a lei o obriga a agir, em regra, o agende deve (obrigatoriamente) fazê-lo.
Já o princípio da impessoalidade estabelece que não é lícito que se trate de forma privilegiada os administrados, nem tampouco que estes sejam prejudicados por critérios pessoais. Assim, o agente público deve se portar de forma impessoal, não fazendo distinções de qualquer natureza entre os administrados.
Por fim, deve-se dizer que todo ato administrativo (que será praticado por um agente público), deve conter vários elementos, dentre os quais se destaca a finalidade que deve, invariavelmente, ser pública. Isto é, todo ato administrativo deve ter como objetivo o aspecto social.
O presente trabalho busca elucidar o crime tipificado no art. 319 do Código Penal, a Prevaricação. Por se tratar de crime próprio de funcionários públicos, necessária se fez uma breve análise de alguns princípios administrativos que em muito auxiliarão na presente abordagem.
Prevaricação
Art. 319 - Retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal:
Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa.
Análise Doutrinária
O crime de prevaricação possui no entendimento de Greco (2010) um “traço Marcante” qual seja, o retardamento, a abstenção de pratica de um ato de ofício ou a pratica de um ato contrario à lei, com o fito de satisfazer interesse ou sentimento pessoal. Nesse sentido, Fragoso, citado por Greco (2010) faz uma explanação acerca do que é interesse pessoal e sentimento pessoal conforme se vê abaixo:
“o interesse pessoal pode ser de qualquer espécie (patrimonial, material ou moral). O sentimento pessoal diz com a afetividade do agente em relação às pessoas ou fatos a que se refere a ação a ser praticada, e pode ser representado pelo ódio, pela afeição, pela benevolência, etc. A eventual nobreza dos sentimentos e altruísmo dos motivos determinantes são indiferentes para a configuração do crime, embora possam influir na medida da pena”.
Greco (2010) classifica o crime de prevaricação como sendo próprio em relação ao sujeito ativo, visto que somente funcionário público pode praticá-lo e comum quanto ao sujeito passivo, já que podem ser prejudicados a própria Administração Pública bem com algum particular; doloso; comissivo (quando o agente retarda ou pratica o ato em desconformidade com a lei) ou omissivo próprio (quando o agente deixa de praticar o ato de ofício); de forma livre e unissubsistente (ou plurissubsistente).

Ainda segundo o autor supracitado, o objeto material do crime é “o ato de ofício que fora retardado, ou deixado de ser praticado, bem como aquele praticado contra disposição legal”. Quanto ao bem jurídico que o crime em estudo visa proteger, seria a própria Administração Pública.
O momento consumativo, segundo Greco (2010) se dá quando o funcionário público, com a “finalidade de satisfazer interesse ou sentimento pessoal” pratica um dos núcleos do tipo, ou seja, quando retarda a pratica de um ato de oficio, quando não o pratica ou quando o pratica em desacordo com a lei.
Por fim, é importante salientar que existe no artigo 327 do código penal uma causa especial de aumento de pena. Segundo tal dispositivo, a pena é aumentada de um terço se o crime em análise for praticado por ocupante de cargo em comissão ou de função de confiança ou assessoramento de órgão da administração direta, sociedade de economia mista, empresa pública ou fundação instituída pelo poder público.
Exemplo
João, fiscal sanitário da cidade de Coelhos, detecta que o estabelecimento comercial de seu amigo de infância, Roberto, não possui as condições mínimas de higiene, devendo, por conseguinte, ser multado ou até mesmo lacrado. O estabelecimento em questão está situado na área de atuação de João. No entanto, este, para não se indispor com seu amigo, deixa de praticar o ato administrativo a que estava obrigado por dever funcional.
(adaptado do site: http://www.mppr.mp.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=2294) do Ministério Público do Paraná)
O caso simples acima narrado evidencia um fato típico de prevaricação. João, o fiscal sanitário, deixou de praticar um ato a que estava obrigado, o que caracteriza o crime em questão devido à omissão própria do funcionário público. Tal omissão se deu em caso, para satisfazer interesse pessoal, qual seja o desejo de não se indispor com seu amigo de infância. Nesse caso, a conduta de João se amoldaria de forma perfeita ao que estabelece o art. 319 do Código Penal.
Vale ressaltar ainda que o mesmo crime poderia ter sido praticado em outra hipótese. Suponha-se que o mesmo fiscal, João, tenha um inimigo declarado, Joaquim, que tem um estabelecimento comercial em conformidade com todas as regras exigidas para o funcionamento. No entanto, a despeito da perfeição com o que Joaquim exerce suas atividades, João aplica-lhe uma sanção simplesmente para prejudicar seu desafeto.
Nesse caso, o crime existiria porque o agente teria praticado o ato de forma contraria à lei, vez que somente os estabelecimentos em desacordo com as exigências legais devem sofrer sanção. Ainda se vislumbra a possibilidade de o crime se dar para satisfação de interesse pessoal, visto que o agente poderia ter aplicado a multa no intuito de prejudicar seu inimigo, devendo, se verificar o dolo do agente.
GRECO, Rogério.Curso de Direito Penal, parte especial, Vol.II. 8ed. Niteroi:Editora Impetus,2011
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 24ed. São Paulo: Editora Atlas, 2014
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848.htm> acesso em 24 mar. 2014