O infanticídio foi praticado por diversos povos, sendo, atualmente, prática cultural restrita a alguns grupos mais primitivos. Entretanto, cabe evidenciar que, mesmo nas sociedades avançadas, o infanticídio continua a acontecer, razão pela qual é tipificado no ordenamento jurídico hodierno. Nesse aspecto, faz-se necessária a distinção do significado da palavra infanticídio para o senso comum (definição lato sensu) e para o Direito, em especial o Direito Penal (definição strictu sensu).
O dicionário da Academia Brasileira de Letras (2008) define infanticídio como “assassínio de criança, especialmente de recém-nascidos”. Essa é uma definição lato sensu, que não contempla o significado do infanticídio tipificado no Código Penal Brasileiro. No referido diploma legal, para que se trate de infanticídio, a agente deve matar seu filho, sob a influência do estado puerperal. Além disso, tal ação, ou omissão (nesse caso omissão imprópria, visto que a genitora possui status de garante), deve se dar durante ou logo após o parto, como se vê na literalidade do texto legal:
Art. 123 CP: Matar, sob a influência do estado puerperal, o próprio filho, durante ou logo após o parto.
Ante o exposto, no que tange a especificidade do crime ora em análise, pode-se concluir que a definição de infanticídio como sendo “assassínio de crianças, especialmente recém-nascidos” é válido para o senso comum, mas carece de elementos para o Direito Penal. Assim, uma boa, talvez a melhor, definição de infanticídio seria o próprio texto legal, ainda que a lei deixe vagos alguns termos como, por exemplo, o limite temporal (logo após o parto) que separa o crime de infanticídio e o de homicídio. Assim, para que se fale em infanticídio em Direito Penal, há que se visualizar, de forma concorrente, três elementos: a) matar o próprio filho; b) durante ou logo após o parto; c) estar, a agente, sob influência do estado puerperal.
BREVE HISTÓRICO
Nota-se, na legislação penal brasileira, relevante diferença na tipificação do crime de infanticídio. No Código Penal de 1890, seria considerado infanticídio:
“Matar recém- nascido, Isto é infante, nos sete primeiros dias de seu nascimento, quer empregando meios diretos e ativos quer recusando à vitima os cuidados necessários à manutenção da vida e a impedir a sua morte”.
Haveria ainda abrandamento da pena caso o crime fosse para encobrir sua desonra. Já o Código Penal de 1940, que é nossa legislação penal vigente, adotou critério diverso. No diploma atual a atenuante no crime de infanticídio é o conceito biopsíquico do “estado puerperal”, como configurado na exposição de motivos do Código Penal, que justifica o infanticídio como delictum exceptum, praticado pela parturiente sob influência daquele tal estado puerperal.
Percebe-se, portanto, que houve alteração significativa do conceito do crime, já que, a lei anterior adotava o aspecto psicológico como maneira de proteção da honra, optou o legislador pelo sistema biopsíquico ou fisiopsicológico, apoiado no estado puerperal. Esta orientação tem merecido criticas e é motivo de controvérsia, muito por se entender não comprovada a suposta influência do estado puerperal no psiquismo da parturiente.
Rogério Greco (2011) classifica, doutrinariamente, o infanticídio como um crime próprio, visto que somente a genitora pode praticá-lo e, ainda assim, sob influência do estado puerperal; simples, porque visa à proteção de somente um bem jurídico, qual seja, a vida; de forma livre, pois não exige um modus operandi específico; doloso, comissivo e omissivo impróprio, já que a agente deve agir com dolo e tem o status de garante.
Vale ressaltar que o infanticídio admite tentativa, uma vez que o resultado almejado pela agente pode não ocorrer por circunstâncias alheias à sua vontade, mesmo após ter conduta dirigida para retirar a vida do neonato.
O infanticídio entre indígenas é um tema que gera documentários, projetos de leis e muita polêmica em torno da saúde pública, cultura, religião e legislação. Essa prática tribal leva à morte não apenas de gêmeos, mas também filhos de mães solteiras, crianças, com problema mental ou físico, ou doença não identificada pela tribo. A quantidade de índios mortos por infanticídio no país é muito grande, esse número aparece somado a óbitos causados por lesões, envenenamentos e outras consequências de causas externas.
O projeto de lei 1057/2007, apelidado de lei Muwaji, em homenagem à índia que enfrentou a tribo para salvar sua filha com paralisia cerebral, estabelece que “qualquer pessoa” que saiba de casos de crianças em situação de risco e não informe às autoridades responderá por crime de omissão de socorro. Se a lei for aprovada , a pena será de um a seis meses de detenção ou multa.
A revista Isto É, publicou em 2008 uma reportagem emblemática referente ao infanticídio praticado por algumas etnias indígenas. A reportagem relata, entre outras coisas, a história de uma criança indígena, Amalé, que foi enterrada viva, mas foi resgatada antes que morresse. No mesmo local ainda havia mais duas crianças enterradas, mas estas não puderam ser salvas.
De acordo com a reportagem, o infanticídio seria prática corriqueira, no Brasil, em pelo menos treze etnias, sendo as razões mais comuns de tais práticas o caso de mães solteiras, crianças deficientes e crenças religiosas. A conduta aconteceria ainda de forma variada, podendo ser praticada pela própria parturiente, com ou sem ajuda de terceiros, ou até por terceiros apenas. Vale ainda ressaltar que, nem sempre a morte da criança se dá no momento do parto, sendo comum casos em que crianças já com certo tamanho seriam enterradas vivas.
Nesse sentido, a pergunta que se faz é: O infanticídio indígena se amolda à tipificação do Código Penal pátrio ou se amolda tão somente ao conceito lato sensu de infanticídio?
A resposta não pode ser definitiva, prevalecendo o que se diz com frequência nos cursos de Direito: depende do caso concreto.
O infanticídio indígena relatado em reportagens não se amolda sempre ao crime tipificado no art. 123 do Código Penal, visto que se trata do ato de tirar a vida de crianças, de modo geral. Isto é, quando se fala em infanticídio, se fala da morte de crianças por adultos, sem qualquer referência a quem mata ou quando mata, informações estas essenciais para que se configure o infanticídio tipificado. Ainda é necessário observar que a conduta dos índios possui características culturais, que acabam por exercer uma coerção psicológica ou até mesmo física, para que se matem crianças que, por algum motivo, não devem viver naquela dada sociedade.
Assim, pode-se dizer que, devido ao fato de não ser o estado puerperal o motivo principal para a prática do crime, a conduta dos indígenas não se amolda no crime de infanticídio strictu sensu tipificado no Código Penal. Contudo, em que pese a falta de elementares do tipo na maioria dos “infanticídios" praticados pelos índios, nada obsta que ocorram casos em que as parturientes indígenas, influenciadas pelo estado puerperal, matem seus filhos durante ou logo após o parto, sendo necessária a análise, como já se disse alhures, do caso concreto.
Cabe, por derradeiro, evidenciar que existem casos em que terceiros praticam o assassinato das crianças, sendo tais condutas denominadas como infanticídio. Contudo, tal prática de forma alguma poderia ser tratada como tal dentro da técnica jurídica, uma vez que o crime em análise é próprio, isto é, somente a mãe pode cometê-lo.
Pode-se concluir que o infanticídio é como assevera Greco (2011) não é mais que uma “modalidade especial de homicídio”. Nesse sentido, tal tipo penal possui alguns requisitos, sem os quais não se pode falar em infanticídio, quais sejam: matar o filho, sob influência do estado puerperal, durante ou logo após o parto.
Assim, o “infanticídio” que ocorre em algumas etnias indígenas, só pode ser assim chamado se considerarmos o infanticídio dentro da definição lato sensu, visto que, dentro da técnica jurídica, para que se configure o crime ora analisado, existem elementos que nem sempre se observa nos rituais indígenas.
REFERENCIAL
BIBLIOGRÁFICO
GRECO, Rogério.Curso de Direito Penal, parte especial,
Vol.II. 8ed. Niteroi:Editora Impetus,2011
ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS, Dicionário Escolar da língua Portuguesa. 1. ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2008.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848.htm>
acesso em 24 fev. 2014
http://veja.abril.com.br/150807/p_104.shtml>acesso em
22 fev. 2014> acesso em 24 fev. 2014